Tréguas a Pedrógão!...
Por estes dias, não ser habitante de Pedrógão e vizinhança deve ser uma autêntica de uma benção! Primeiro, e sobretudo por isso, por uma razão mais do que óbvia - a incineração macabra causada pelo auto de fé. Segundo, por razões um pouco menos óbvias - as enxurradas causadas pelas televisões, redes sociais, público em geral, e os seus "autos de festa".
Um dos nossos males é a falta de capacidade de fazermos pausa nos nossos interesses em alguns momentos, de nos colocarmos, sem fingimentos, na pele dos outros, por breves instantes. Por essa e por outras razões - e como dizia muito bem uma colega nossa de bloguismo - é que a solidariedade necessária se torna em "solidariedadezinha", narcisista e egocentrista, vaidosa e umbilical, sempre pronta para se deixar fotografar individualmente, a bem da exposição pública ao país! Ser solidário é bom... mas ver-se que somos fixes durante quinze dias ainda é melhor!
Nada de hipocrisias: em meados de julho, quando já não houver mais tragédia que alimente a praça, muitos já nem saberão onde fica Pedrógão ou se lembrarão que Pegrógão existe! O que conta é sempre a inflamação do momento... depois passa, porque não é a nós que a infelicidade bate à porta, efetivamente.
Decorrida a tragédia, na qual circularam aviões e helicópteros, drones a filmar kafkianamente as estradas e a área ardida, pinheiros carbonizados, ruas de aldeias cobertas de cinzas, qual inferno em manutenção, automóveis retorcidos e, até, cadáveres a fazer companhia "ao vivo" a repórteres sensacionalistas, chegou a hora das pilhas de cobertores, águas engarrafadas e leite gordo a rodos! Não é que a música e o leite gordo não façam falta, o que é cá escusado é a chegada da selfie à tonelada, também, nas suas dúzias de formas, a dar comércio visual a quem gosta de aparecer.
Se fôssemos naturais de Pedrógão, a última coisa que nos deveria estar a fazer falta era uma onda de repórteres à porta, a "cobrir" incessantemente os ângulos mais rebuscados e tristes da dor, para cozinhar filmes de terror, mais tarde do dia e à hora do jantar. Ou de desconhecidos a estacionarem às hordas, com carros e caravanas, a tirarem fotografias com os telemóveis, como se fôssemos King-Kong´s em exposição numa jaula queimada!
Acredite-se ou não, mas já há notícia de quem promova nas rádios e televisões campanhas de solidariedade enfeitadas de beijos e abraços, tudo a distribuir pelas gentes das aldeias afetadas, em forma de visita turística!
No início do concerto solidário realizado no Parque das Nações, para nosso escândalo, uma alma iluminada - com responsabilidades públicas - dispara(ta)va que devíamos pegar na tenda e acampar em Pedrógão, abraçando os locais e mostrando-lhes o nosso "carinho"! Seria bonito, sim senhor(a)!!!!
Faltará perguntar ao habitante de Pedrógão se estará disposto a estas manifestações de amor autêntico aos magotes, vindas de forasteiros, a saltarem de viaturas alheias e de locais desconhecidos, a estorvar, a invadir a privacidade, a melgar o direito ao luto e ao recolhimento, a fazer filas nas estradas e a tirar o smartphone do bolso, para selfies fraternas, a infestar cada canto com inconveniência. A isto, para complementar o ramalhete, só os embrulhos da SIC e da TVI a fazerem uma dessas festas de domingo à tarde, no centro da vila.
Ou será que Pedrógão só deseja regar as suas flores e seguir com a sua vida? Alguém que explique...