Dicas para um best-seller de sucesso.
Não... se alguém já está com o espírito a imaginar ironias e sarcasmos e a adivinhar que vamos sugerir um caso amoroso com o editor, então isso é dos mais básicos erros de palmatória. Não seríamos capazes de atingir tamanha perfídia! Há outras formas de atingir o sucesso sem ser preciso entregar (muito) o corpo...nem o original a uma gráficaVanity .
Os sacramentos do sucesso editorial contemporâneo podem muito bem ser, entre outros, estes sete...ou oito!,...que passamos a partilhar:
- Saiba que a tragédia adensa a curiosidade e traz leitores: por isso mesmo, é aconselhável que o herói - o marido - tenha um carro seguro e de gama alta, mas que sofra sempre um acidente de viação terrível na viagem antes de ser promovido pela patroa com quem anda enrolado, perdendo para Deus a pobre esposa incauta e dedicada, juntamente com os seus dois filhos menores e inocentes, que vão no banco de trás do veículo;
- Imagine que, se for a mulher a conduzir o carro, ela pode safar-se, podem morrer os outros todos à mesma!(o marido e os filhos), mas o socorro deve ser feito por um bombeiro super corajoso, na casa dos trintas, com problemas conjugais, ar de garanhão - de preferência! - e numa busca silenciosa da sua verdadeira identidade emocional e de uma mulher que o queira provar mais do que uma vez por mês, papel que sobrará para a viúva, depois de muito choro e insinuação;
- É importante avisar que o leitor hodierno gosta de referências concretas e muito factuais, nada de abstrações e divagações subjetivas. Bordejar, por isso, aqui e ali, na trama narrativa, a surpresa e o escândalo, por exemplo: a que nos referimos é que o amor é importante, mas o espaço geográfico, o tempo e a materialidade simplória facilitam a perceção do texto e a localização diegética por parte do (limitado) leitor atual - resumindo: coloque um título como: "O Meu Milionário Grego do Iate, afinal é casado e vai ter um filho legítimo"...e é sucesso quase garantido; o público feminino não resiste aos calores;
- Não esquecer as redes sociais - se alguém do enredo, na escrevinhatura, tiver um plano maléfico, encontrar a amante perfeita e tiver um caso escaldante, - ou perder uma fortuna -, isso já não pode acontecer numa sessão de roleta dum casino! É fatela e primitivo. Tem de ser tudo online. Lembrar que o público leitor mais jovem usa smartphone mas não sabe o que é um casino nem o que é a traição com colegas de emprego, porque não tem emprego nem o vai ter na próxima década, provavelmente.
- Ter atenção ao vocabulário, sobretudo na sinopse que aparece geralmente na contracapa -as palavras e expressões que funcionam e que se recomendam são: "beijo", traição", "homem de sucesso", "cresceu", "engano", "pescoço", "lambeu-lhe", "perfume", " fortuna", " caiu-lhe nos braços", "segredo", "best seller", "New York Times", " entregar o corpo", "ato desesperado", " recomendado por Nicholas Sparks", " Estados Unidos", " conspiração", " mulher fascinante", "pôs-lhe a mão nos seios", " pegou-lhe no membro hirto", "inesquecível", " gozou lentamente como nunca", "idealizou" e " ...do mesmo autor de...".
- Nem pensar em histórias policiais e sinuosas com mordomos!: se, ainda assim, for esse o caminho escolhido, substituir ou criar um caso amoroso entre o mordomo com um jogador da bolsa ou com um ativista transsexual frustrado , que acaba preso nos Estados Unidos depois de um desfile de moda e uma conspiração internacional e uma sessão de swing em grupo, com chicotes e drogas à mistura, e que acaba mal;
- Imagine uma história em que a personagem principal é uma mulher aparentemente tímida e frágil...e ela é que manda: é o caminho mais indicado, sobretudo se criar uma mulher de corpo vulgar mas atraente e ar inofensivo e discreto, que se movimenta nos bastidores, sempre de saia média e decote pouco católico, a injetar indiretamente alguma t*são, mas obviamente acima de qualquer suspeita. As santinhas são mesmo sempre as piores! Não fuja ao clichê! Coloque-a a telefonar ao Presidente e ao Primeiro-Ministro sem ninguém saber nem adivinhar, e a jogar com os palermas dos dois bonifrates, deixando-os acreditar que eles é que decidem os destinos. No final, o texto pode acabar com a hipócrita a beber chá à beira da janela do seu apartamento de luxo,de tanga previsivelmente sensual, a revelar as suas garras, na companhia de um Youtuber infantil, obeso, com a barba por fazer e o banho por tomar, e que não paga direitos de autor e foge ao fisco. Já agora, não convém que o Youtuber tenha mais que o 9º ano incompleto!
- Ordene ao editor que lhe organize uma sessão de lançamento numa data e num local que levantem polémica: mas é melhor tirar loga as esperanças e a ideia em alugar alguma das salas da Casa Branca, que já estão reservadas com lançamentos (de pedras!) até 2020! A casa que Maria Leal "herdou" do "marido" é uma hipótese, se for um romance que envolva intriga e embuste, e desde que o mesmo livro não aborde temas que tenham a ver com o mundo da música, o que seria ainda de maior mau gosto. Outros espaços que estão fora de questão são a casa da Margarida Rebelo Pinto e o apartamento em Paris de Tony Carreira. A alternativa é o de José Sócrates, que fica quase ao lado do de Tony, e que vai muito bem com novelas sobre corrupção e intriga familiar e política. O estúdios da SIC também não são aconselháveis, sobretudo da parte da manhã, por causa do excesso de barulho com vem dos lados da Malveira.
P.