Desde o início do ano letivo, a meio de setembro, até ontem, as escolas públicas lançaram 16.837 horários para os quais precisavam de professores. Alguns são temporários, muitos são para todo o ano letivo, uns têm poucas horas, outros são completos. Comparando com idêntico período de 2018/19, são já mais 1800 pedidos.
A questão que se coloca a seguir é a de saber se as necessidades que sempre surgem ao longo do ano, decorrentes de baixas médicas ou da saída de professores para outras escolas, são facilmente supridas por docentes que não têm colocação. E, aqui, o problema também se agravou. Há alunos que ainda não tiveram aulas em várias disciplinas e que se arriscam a continuar assim por mais umas semanas ou até meses, como já aconteceu no passado ano letivo. Desta vez, as dificuldades estão a surgir mais cedo.
As matérias ficam em atraso, os pais protestam, os diretores desesperam perante a incapacidade de resolverem o problema e as esperas semanais por um candidato que faça as contas e que conclua que compensa aceitar aquela ocupação.
Dos 350 horários que estavam esta semana em oferta de escola, 225 correspondiam a vagas recusadas já por duas vezes por professores que estão nas listas de ordenação ou para as quais nem sequer havia candidatos (ver P&R). Os números foram apurados a pedido do Expresso por Davide Martins, professor de Matemática no Agrupamento de Escolas da Carlos Amarante (Braga) e colaborador do blogue de educação “ArLindo”. E dão conta de um problema que está longe de estar generalizado a todo o país mas que se concentra de forma preocupante em alguns distritos — Lisboa, Setúbal e Faro concentram 71% destes horários em oferta de escola — e em alguns grupos de recrutamento, como Informática, Geografia, Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC).
À PROCURA DE UM QUARTO
Conceição Bernardes é diretora do Agrupamento de Escolas Laura Ayres, em Loulé, um dos que tinha esta semana mais horários já recusados ou sem candidatos e que continuavam por preencher, estando agora na fase da oferta de escola (uma espécie de anúncio público a que pode concorrer qualquer professor com habilitação para o efeito). No seu caso, são cinco horários para o ano inteiro, cada um afetando várias turmas: um de História, um de Geografia, um de Informática, um de EMRC e outro para uma professora do 1º ciclo. À exceção deste último, que tem sido suprido por uma docente da escola que deixou as atividades de apoio que estava a dar para assumir a turma em falta, todos os outros têm estado sem aulas.
A explicação: “Há imensos professores a serem colocados no Algarve, mas não aceitam porque não conseguem arranjar casa. Um apartamento T1 que dantes era arrendado por 400 euros agora custa 700. Os professores ou conseguem dividir ou torna-se insuportável. E já não é alugado até 15 de julho. Agora só fica livre até maio e depois no final de setembro, quando há menos procura de turistas”, descreve a diretora. No agrupamento de Silves, com sete horários em falta desde o início do ano, mas todos incompletos (não chegam às 22 horas letivas), a dificuldade é a mesma: “Tivemos uma professora que aceitou um horário de seis horas porque conseguiu que lhe dessem um quarto a troco de voluntariado”, conta a diretora.
Depois há as baixas que vão aparecendo ao longo do ano, tornando os horários ainda menos apetecíveis, e que tendem a aumentar à medida que o problema do desgaste e do envelhecimento docente se vão agravando. No agrupamento de Silves estão três professores de baixa por depressão. Em Loulé, há casos de docentes com baixas de 18 meses, seguidas de regressos curtos e novas baixas prolongadas. “Não é possível ter todos os professores a trabalhar nas salas de aula até aos 66 anos. É um tiro no pé tratar todos por igual, porque há quem não tenha estrutura para aguentar”, avisa Conceição Bernardes, ela própria com 62 anos mas ainda com vontade de continuar a liderar a escola.
O problema é que a situação tende a agravar-se. Das sete educadoras de infância que ficaram colocadas em 2018/19 no Agrupamento de Loulé, apenas uma tinha menos de 50 anos. “Mais de metade dos professores da escola tem 50 ou mais anos. Imagine como será o cenário daqui a cinco ou dez anos, em que a maioria terá acima de 60”, alerta Paulo Campos, diretor do Agrupamento D. João II, em Sintra, onde faltam dois horários de Informática, um de Geografia e outro de EMRC. Em São Julião da Barra, Oeiras, já estão três horários em oferta de escola: Português, Francês e Geografia. Sendo todos parciais, a dificuldade de encontrar alguém ainda é maior. “Quem é que pode vir para aqui com 500 euros de ordenado e ainda pagar um quarto?”, pergunta o diretor, Domingos Santos. A autarquia está ciente do problema e vai disponibilizar “apartamentos e quartos para professores, mas também para polícias e outros profissionais que enfrentam as mesmas dificuldades”. A residência que nascerá na Fábrica da Pólvora, em Barcarena, por exemplo, terá uma quota de 40 quartos destinados a professores deslocados.
No ano passado e já neste, as direções têm resolvido os problemas redistribuindo horários ou recorrendo a horas extraordinárias por docentes da casa. “As escolas vão fazendo milagres. Às vezes fazem mesmo omeletes sem ovos”, desabafa a diretora de Loulé.
Fonte: Blogue de Ar Lindo
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