Conscientemente, reconhecemos que o Papagaio não é uma figura muito grata e que o blogue indiscreto se torna pouco cómodo, por vezes, pela produção de um enunciado que não alinha com as aspirações, gostos e motivações de vários,fazendo justiça ao seu próprio nome. A intenção também nunca foi satisfazer, muito menos fazer o jeitinho ou encher de verbo só para cair no goto e agradar. A posição é ácida, a roçar frequentemente o áspero, ficando longe da postura e dos desejos de consenso e afabilidade que muitos blogueiros e outros públicos apreciam.
Por essa mesma razão, também ninguém nos faz o jeito, o que, para além de sobejamente percetível, também se nos afigura como objetivamente natural. A posição crítica sobre a atuação da comunicação social e o atual estado de coisas provocado pelas redes sociais -só para dar um pequeno exemplo- não se materializa num discurso papagaístico luminoso, com potencial para gerar popularidade ou aplauso. O que não significa que o Papagaio não tenha razão ou que não haja razão para insistir e insistir, por mais que aborreça, por mais que seja impopular ou por mais que desague no repetitivo, no enfadonho e crie arritação.
Mais um sinal dessa razão estará presente numa muito recente prova de acesso ao ensino superior, prova, essa, onde agradavelmente foi aterrar um texto que passamos seguidamente a apresentar e a reproduzir (parcialmente); quanto a nós uma oportunidade rara para mostrarmos aos nossos jovens uma lição que muitos "burros velhos" acham secundária e fingem não querer ouvir. E não quererão ouvir por não darem importância a assuntos que consideram inócuos; também, entre outras, porque às vezes não lhes dá lá muito jeito. De facto, o texto, -da autoria do reputado professor e investigador Arlindo Oliveira- publicado inicialmente no "Público" no verão de 2019, coloca, novamente, um dedo na ferida. E a prova de exame de Português registou, assim, este ano e desta vez, uma das mais felizes seleções de textos da nossa memória recente:
«Lamentavelmente, estamos a afogar-nos em informação, mas à míngua de conhecimento, para usar as palavras de John Naisbitt. Com tantos dados, seria de esperar que asdecisões políticas e económicas, tomadas pelas empresas, sociedades e estados, fossem progressivamente mais e mais bem informadas. Porém, isso parece não estar a acontecer. Num mundo que atribui cada vez mais importância aos dados, a sua utilização como evidência para a tomada de decisão parece ser, paradoxalmente, cada vez mais rara. Embora algumas decisões tomadas ao nível do urbanismo, dos transportes, das políticas fiscais ou dos estímulos económicos sejam efetivamente tomadas com base em dados objetivos ou em cenários macroeconómicos verosímeis, a verdade é que muitas outras decisões, políticas e económicas, são tomadas de uma maneira pouco informada, muitas vezes com base em emoções, ideologias, opiniões ou crenças.
Segundo Hans Rosling, não é só a ignorância que nos leva a tomar opções desinformadas e, muitas vezes, erradas. Pelo contrário, muitas vezes somos enganados pelos nossos instintos. Ao longo de milhões de anos, a evolução criou em nós comportamentos e respostas específicas, que eram úteis no ambiente primitivo em que viviam os nossos antepassados, mas que, agora, nos levam a decisões precipitadas, irracionais e, em muitos casos, profundamente erradas.
Em parte, isto é causado porque a informação que nos chega foi concebida não para nos informar, mas sim para nos chocar, assustar ou impressionar. Numa sociedade em que cada consumidor escolhe os jornais que lê, os canais que vê e as rádios que ouve, existe uma enorme pressão para noticiar os factos da forma mais dramática possível. Isso cria imediatamente um grande enviesamento a favor das notícias bombásticas, dos desastres, das catástrofes e das guerras. As boas notícias raramente são noticiadas, porque não chamam tanto a atenção. Uma pessoa que morre por não ter chegado ao hospital a tempo recebe mais atenção do que os milhares de pessoas que são rotineiramente salvas em cada dia.
É por isso que o comportamento racional, de indivíduos e sociedades, exige a cada um de nós uma disciplina mental, disciplina essa que, lamentavelmente, muitas vezes não temos.»
Dr. Arlindo de Oliveira " Bits, estrelas e grãos de areia"
Pap...