A batalha dos moinhos de vento mudou-se para os Olivais.
O dia até estava a correr bem, até que chegou o "Público" a dar tempo de antena à Presidente da Junta de Freguesia dos Olivais. No seu artigo de opinião, a Drª Rute Lima esclarece, de viva voz, que Portugal, em seu entender, está a " afirmar o seu destino na linha do Quinto Império". Até aqui, tudo muito bem, não fosse a Drª Rute basear a sua teoria no confronto comparativo entre o heroísmo histórico de Vasco da Gama e as coxas milionárias de Cristiano Ronaldo.
Para a doutora e autarca dos Olivais, o nosso país está na moda e isso é um sinal inequívoco da grandiosidade a que o povo português está votado, tanto nos anais da História como nos augúrios do Destino.
Se o celebérrimo escritor e historiador Oliveira Martins tivesse conhecido a Drª Rute Lima, teria ficado, para além de com os pelos dos braços arrepiados, igualmente com a certeza absoluta de que o seu famoso diagnóstico de " intrínseca loucura", que aplicou à identidade portuguesa, estaria completamente comprovada pelas opiniões pseudo saudosistas e românticas desta alucinada presidente de junta.
Então, Portugal voltou a ser o centro da Europa e do Mundo, motivo de orgulho e vaidade por parte da populaça! Pelo menos, lá para o lado dos Olivais, é assim que certos académicos analisam o estado de coisas. Mas quais serão os motivos invocados para esta vanguarda e para este pretenso tomar de rédeas lusitano sobre o promissor destino do Globo Azul? Vejamos o busílis da questão: segundo Rute Lima, a nossa grandiosidade retomada consubstancia-se nos seguintes acontecimentos e circunstâncias :
1º Ganhámos o Europeu de Futebol;
2º Sobral conquistou o Festival da Canção;
3º As revistas da especialidade consideram-nos o melhor destino turístico do planeta;
4º O Lloyd's Bank é dirigido por um português;
5º Guterres é Secretário-Geral da ONU;
6º Centeno é figura de destaque no Eurogrupo;
7º as ondas da Nazaré são enormes e aparecem nos jornais da Austrália.
8º Portugal destaca-se nas Artes, nas Ciências, no Direito, na Política, na Economia e na Educação ( que sentido cirúrgico terá a palavra "DESTAQUE", não fazemos a mínima ideia, mas asseguramos que nas últimas quatro áreas, a coisa assemelha-se-nos como muito duvidosa! - o ano judicial abriu repleto de polémicas; na política e na economia ainda não nos refizémos de uma Geringonça e de uma crise de caixão à cova ( parte do empréstimo da Troika ainda está por pagar) e a nossa dívida é das mais preocupantes e vergonhosas da Zona Euro; na educação, milhares de professores permanecem em guerra com a tutela, deslocados a centenas de quilómetros de casa e os nossos filhos continuam a frequentar escolas cobertas com bullying e telhas de amianto! Faltou que a Drª Rute falasse da nossa mui nobre Saúde, e lembrar-nos- íamos das mortes por legionella, das listas de espera, da gripe e das urgências em estado de pré-explosão).
Como será natural de perceber, a Drª Rute acabou de bater, por K.O., o mito da loucura de D. Quixote, atirando com Cervantes para o plasticão. A quimera dos moinhos de vento e a refrega do rebanho das ovelhas mudaram-se de castanholas e bagagens para a junta de freguesia dos Olivais.
Dom Quixote e Sancho Pança chegaram a um local onde havia dezenas de moinhos de vento. Dom Quixote disse a Sancho Pança que havia que combater aqueles míseros gigantes. Sancho ficou de boca aberta e aconselhou D. Quixote a moderar-se, que aquilo não eram gigantes. Dom Quixote aproximou-se dos moinhos, não fez caso do companheiro e, com pensamento em sua deusa, Dulcinéia de Toboso, arremeteu, de lança em riste, contra o primeiro moinho. O vento ficou mais forte e lançou o cavaleiro para longe. Sancho socorreu-o e reafirmou que eram apenas moinhos. Através deste breve relato da Batalha dos Moinhos de Vento, podemos ver com clareza a loucura de Dom Quixote. O cavaleiro não tinha consciência do que fazia. Ele havia-se embrenhado tanto naquele mundo irreal, de fantasia, que começou a ver coisas, a dizer disparates e a armar-se em maior que os outros: que tinha uma missão superior a cumprir. A Drª Rute também anda a ver moinhos gigantes...na Graciosa ainda lá há alguns!
Cervantes também relata a batalha contra um rebanho de ovelhas. Foi então que o “herói andante” avançou em direção aos rebanhos e, como sempre, foi ridiculamente esbofeteado pelos pastores.
Remata a nossa querida autarca: "Portugal e os portugueses são, de facto, um país e um povo de características particulares". Aqui, a Drª Rute Lima só dá razão às teorias valiosíssimas do nosso estimado professor Eduardo Lourenço, quando dizia o seguinte, no seu preciosíssimo Labirinto da Saudade: "Somos um misto de pobres com mentalidade de ricos(...) Esta atitude revela uma função - a de esconder de nós mesmos a nossa autêntica situação de ser histórico em estado de intrínseca ( pequenez e) fragilidade.
Antes do disparate, algumas almas deveriam ler Eduardo Lourenço, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Eça ou António José Saraiva. Portugal nunca será grande a reboque do pé esquerdo de Ronaldo, dos surfistas da Nazaré ou de um qualquer diretor de banca. Aí está o equívoco escandaloso da Drª Rute. A nossa grandeza está na mão que damos aos nossos filhos, no levantar para um novo dia, nos fogos constantes que apagamos, seja em Pedrógão, seja nas nossas próprias casas e ruas.
Se o " Público" estiver necessitado de colunistas de opinião, pode contratar-me a mim, que eu faço o trabalho gratuitamente e com prazer... e com menos vazio e vulgaridade que a Drª Rute.... um...
...Papagaio, ao serviço de Vossas Excelências...