Conversas a propósito de livros e editoras
À volta da mesa do café, em conversa, contava-me um amigo meu - editor e livreiro - que recebe anualmente, na sua redação, para cima de 1500 exemplares com originais. E trata-se de uma pequena editora! Ora, para quem saiba fazer contas rápidas, isso significa que, em Portugal, para cada indivíduo que acha ter potencial como escritor, no máximo, existem apenas cinco leitores disponíveis.
Um pouco ao contrário dos médicos: em cada centro de saúde chegam a passar-se casos de serem 15000 utentes para cada médico de família! Estarão, assim, feitas todas as medições!: a matemática sempre se revestiu de uma poesia muito dura, fria e amarga... e difícil de aceitar por certos umbigos. Não há maneira de a querer aceitar e de o querer admitir...
Trata-se de um pequeno exemplo, porque se quiséssemos adensar ainda mais o drama, lembraríamos de certas editoras, as chamadas vanity publishers/press (edições de autor), que rapidamente acumulam milhares de volumes de outros tantos autores, livros que, em muitos casos, ficam perdidos e não chegam a ter viv'alma que lhes pegue. E bem caras saem essas edições...
A imagem lírica que temos de nós enquanto país culto é tão falaciosa como aquele spot televisivo que mostra uma menina embrenhada na leitura de um calhamaço, enquanto circula num elétrico. Até parece, pela força de tal pintura, que em Portugal se gosta de ler! Errado! - ficamos distraídos a olhar para a menina gira e alheada e não reparamos nos outros 40 passageiros do elétrico, que fazem tudo menos ler. Têm um comportamento e uma vida "normais"! - tiram macacos do nariz, olham com enfado para o relógio, coçam os testículos, prendem com as duas mãos a malinha e a carteira, com medo dos assaltos, ouvem música com headphones gigantes nas orelhas, voltam a coçar os testículos, acomodam as cestas e os sacos com as compras... mandam mensagens no Facebook...dormem...
Se o meu amigo editor aceitasse publicar todo o "entulho" que lhe chega às mãos - ele lamenta, mas garante-me não ter encontrado, ainda, outro termo que caracterize 95% dos textos que recebe - entraria na bancarrota antes de poder dar um "ai".
Eu pus-me a pensar neste escândalo, e cheguei à conclusão de que o homem tem razão! Já mais tarde, enquanto caminhava lentamente para casa, lembrei-me de imaginar da seguinte forma: se por detrás de cada um de 1500 originais houvesse, por quaisquer magias indecifráveis, também um "bom" escritor, com uma história interessante para contar, entusiasmante, digna de ser conhecida, pela originalidade da forma e do conteúdo e merecedora de ver investida uma parte do tempo por parte dos outros, os leitores, a verdade é que nenhuma dessas histórias seria lida por muito mais que cinco pessoas! Não haveria leitores para mais!
Para além de uma estupidez, isto seria um desperdício... ou não, uma vez que Deus terá calculado tudo muito bem e previamente terá colocado, na grande maioria dos casos, atrás de cada manuscrito, alguém com a quimera de que nasceu com um dom especial para escrever... mas só mesmo com a quimera!... nada mais!
Que dizer mais? Provavelmente, será mais fácil descobrir "o que não dizer!". Não dizer, por exemplo, que as editoras é que têm sempre a culpa, que as redações editoriais são feitas de gente preconceituosa que não sabe dar o verdadeiro valor às coisas e às pessoas, aplicando justiça, que os livreiros e distribuidores só beneficiam os famosos e só apostam em autores que dão lucro. Mas que raio de PORRA!!! é que querem que as editoras façam? Quem é que consegue dar vazão a um país onde todos querem ser autores mas onde quase ninguém lê?
Quem publica tem as suas culpas, verdade! Mas vivemos num país mesmo esquisito! E não me venham com: " ai isso não é nada verdade, que eu até leio muito, eu farto-me de ler..." - peço desculpa, mas...TRETAS!!!!!
Em Portugal lê-se muito pouco! E no arrasto e alheamento provocados pelas tecnologias e pelas redes sociais, cada vez se lê menos. Em Portugal, o que temos é a vontade de nos exibirmos - daí, os tais escritores mais bastos que os cogumelos e a profusão de almas que dizem que são leitoras, mas que se limitam a andar de livro na mão, de preferência com algum volume da moda e de autor estrangeiro!
Papagaio